Telhados de sapê: história, desempenho e possibilidades na arquitetura

À primeira vista, o projeto de Dorte Mandrup para o Wadden Sea Centre parece se mimetizar à paisagem. Sua altura baixa, suas linhas horizontais e, principalmente, sua materialidade torna-o um edifício moderno em perfeita harmonia com a natureza local. Mas sua conexão também abrange o patrimônio construído da região, mais especificamente por conta de seu revestimento com palha, colhida e seca próximo ao terreno. Trata-se de uma técnica construtiva extremamente tradicional e histórica, mas que é pouco atribuída a edificações contemporâneas. Neste artigo resgataremos um pouco da história deste material natural, suas características construtivas e alguns exemplos de uso.

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Wadden Sea Centre / Dorte Mandrup A/S. Image © Adam Mørk

Pesquisar sobre a história do uso das coberturas em palha é um tanto quanto desafiador. Por ser um material natural e biodegradável, há pouquíssimos vestígios de seu uso em construções antigas, diferentemente das estruturas de pedra ou mesmo de cimentos rudimentares, por exemplo. No entanto, pesquisadores apontam que as estruturas de sapê datam da época em que os seres humanos deixaram de ser nômades, e dedicaram-se à agricultura e há indícios de seu uso nos impérios astecas e nas primeiras construções do que hoje chamamos Europa. Há pesquisas sobre seu uso na Europa, no Reino Unido e no México, entre muitos outros.

A cobertura de palha é um método tradicional que envolve o uso de vegetação seca, como palha, junco, palmeiras e outras fibras naturais para criar uma cobertura de telhado. As fibras são agrupadas e entrelaçadas com uma determinada tensão para formar uma superfície, que através de sucessivas sobreposições torna-se impermeável e quase impenetrável a roedores e pragas. O telhado é montado de baixo para cima e o topo é onde maior cuidado deve ser tomado e mais manutenções devem ser feitas, por ser um ponto de fragilidade para infiltração de água. Telhados com mais inclinação farão com que a água corra mais rapidamente, evitando possíveis problemas de infiltração. Mas isso não quer dizer que o material restringe a criatividade dos projetistas. Por ser flexível, formas orgânicas podem ser facilmente conseguidas, como é o caso do The Nest, de Porky Hefer Design, em que o material envolve os telhados e grande parte das paredes.

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The Nest / Porky Hefer Design. Image © Katinka Bester

A composição do material, por conta dos múltiplos vazios e irregularidades da superfície, proporciona excelente isolamento quando seco e compacto. Quando aplicado corretamente, a palha também tem uma resistência ao vento muito boa. A palha também é relativamente leve, o que significa que a estrutura de sustentação do telhado pode ser menos robusta. Uma questão que deve ser levada em conta é seu comportamento no caso de um incêndio. Como um material seco e altamente inflamável, precauções devem ser tomadas para evitar a combustão e controlar as chamas o mais rápido possível. Atualmente há algumas empresas que trabalham com fibras sintéticas com retardantes de chamas, por exemplo.

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Kindergarten Zimbabwe / Studio Anna Heringer. Image © Stefano Mori

Tratando-se de uma construção barata e relativamente simples, sua aplicação geralmente se concentra em regiões rurais. Ou seja, dificilmente veremos coberturas de palha em Manhattan ou no centro de São Paulo, já que a incorporação dessa técnica construtiva é especialmente interessante quando há disponibilidade de materiais e mão-de-obra para tal. É o caso do projeto do Studio Anna Heringer para um jardim de infância no Zimbabue, que faz parte de um Centro de Educação-Permacultura no Zimbábue e é concebido dentro da filosofia de autossuficiência, erguido em madeira, palha e pedra. Como aponta a descrição do projeto, “Com estas técnicas locais o projeto pretende construir com um processo que reforce a solidariedade e o espírito de equipa, competências e conhecimentos, autoconfiança e dignidade. Devido aos contextos climáticos e às condições locais os edifícios, a menos que sejam construídos em vidro e aço, não durarão para sempre, mas é essencial que o know-how para mantê-los e reconstruí-los seja mantido vivo e transmitido às gerações seguintes. É por isso que vemos este projeto principalmente como um treinamento em técnicas avançadas de construção com materiais existentes que podem se tornar o adubo do campo do jardim de infância.”

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Kindergarten Zimbabwe / Studio Anna Heringer. Image © Margarethe Holzer

No Mother Pavilion, de Studio Morison, a abordagem foi similiar. “A forma é uma interpretação dos notáveis hayricks que pontilhavam esta zona rural. (...) As paredes e o telhado são feitos de palha local, cuja cobertura foi feita no estilo tradicional por um mestre artesão, cujo primeiro trabalho como aprendiz foi colher um palheiro neste mesmo local.”

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Mother Pavilion / Studio Morison. Image © Charles Emerson

nesta residência na Índia, a tradicional técnica foi incorporada com formas mais dinâmicas, para trazer uma função primordial ao telhado, que é o de coletas as águas pluviais. "O telhado de palha é perfilado como uma pirâmide invertida que desce para dentro em direção ao pátio. Não apenas focado como a concentração central, o pátio também funciona duplamente como uma captação de águas pluviais."

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Bapagrama Stone House / Pragrup. Image Cortesia de Pragrup

Como já citado anteriormente, é a cumeeira o ponto mais preocupante de uma cobertura em palha (aliás, em todas as coberturas estes são pontos de atenção). No projeto Facts Tåkern Visitor Centre, Wingårdh Arkitektkontor AB resolveram isso incorporando uma claraboia. Como os arquitetos apontam: “o edifício é revestido de palha, camuflado como a cortina de um observador de pássaros, escondendo seu conteúdo do mundo natural que o cerca. O tom íngreme dá-lhes longevidade. A cumeeira, onde um telhado de palha é mais vulnerável, é transformada em uma claraboia envidraçada.”

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Facts Tåkern Visitor Centre / Wingårdh Arkitektkontor AB. Image © Åke Eson Lindman

A palha também pode funcionar para criar um contraste entre modernidade e tradição. No Synvillan Eriksberg Hotel & Nature Reserve, de Sandellsandberg, o telhado de sapê contrasta com as formas retas e o revestimento metálico polido, cujas propriedades reflexivas visam tornar a ilusão de uma casa dissolvida na paisagem.

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Synvillan Eriksberg Hotel & Nature Reserve / Sandellsandberg. Image © Åke Eson Lindman

Conheça mais alguns exemplos de projetos que utilizam a palha nesta pasta do My ArchDaily.

Sobre este autor
Cita: Eduardo Souza. "Telhados de sapê: história, desempenho e possibilidades na arquitetura" 27 Mar 2022. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/977952/telhados-de-sape-historia-desempenho-e-possibilidades-na-arquitetura> ISSN 0719-8906

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